Por Gustavo Spadotti Amaral Castro

As preocupações com o papel das atividades antrópicas no futuro do clima e a necessidade de produzir alimentos de forma sustentável tornaram-se desafios globais prementes. O fenômeno do “Carbon Tunnel Vision,” no qual se concentram discussões exclusivamente na mitigação das emissões de carbono, muitas vezes obscurece a visão de soluções holísticas para as complexas questões ambientais. Nesse contexto, o Brasil emerge como um exemplo notável de como a ciência e a tecnologia podem superar essa visão limitada, promovendo uma agricultura que não apenas alimenta uma população crescente, mas também protege, preserva e conserva o ambiente natural.

O Brasil: de importador a exportador líquido de alimentos

Há cerca de cinquenta anos, o Brasil era um importador líquido de alimentos, dependente das importações para suprir sua demanda interna. No entanto, ao longo das décadas, uma revolução silenciosa aconteceu nos campos brasileiros. Uma colaboração sinérgica notável entre universidades, órgãos de extensão rural e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) desencadeou uma era de inovação na agricultura tropical. Contou, especialmente, com os produtores rurais e sua surpreendente abnegação, resiliência e capacidade de absorver e aplicar tecnologias inovadoras, aliando produção e preservação.

Ciência Tropical: um legado de sustentabilidade

Uma série de tecnologias e práticas agrícolas tornou possível essa transformação notável. Vamos explorar algumas delas que ajudaram o Brasil a se destacar como um líder na produção agropecuária sustentável:

  • Sistema Plantio Direto: Ao reduzir a erosão e o consumo de combustíveis fósseis, o SPD protege o solo, cicla nutrientes, e melhora o balanço do carbono em sistemas produtivos. Tem como ápice tecnológico o uso de cultivos consorciados, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
  • Fixação Biológica de Nitrogênio: Economiza energia e reduz a necessidade de fertilizantes sintéticos, diminuindo as emissões de gases de efeito estufa. Tecnologia consolidada para leguminosas e altamente promissora para gramíneas.
  • Recuperação de Áreas Degradadas: Otimiza o uso de terras exauridas com baixos índices produtivos pela redução da fertilidade química, física e biológica. Com isso, promove o sequestro do carbono e protege a biodiversidade pela redução da pressão por novos desmatamentos.
  • Tropicalização Genética de Vegetais e Animais: O melhoramento dos cultivos e rebanhos proporcionou produções mais resistentes e adaptadas ao clima tropical, o que resultou em aumento de produtividade e redução da pressão sobre as florestas.
  • Inteligência Territorial Estratégica: Ajuda os agricultores a tomar decisões informadas e baseadas em dados multidisciplinares, reduzindo perdas agronômicas por efeitos bióticos e abióticos e evitando queda de competitividade por falta de logística, mercados e segurança jurídico-institucional.
  • Sequestro de Carbono: Lavouras, florestas e pastagens bem manejadas atuam como sumidouros de carbono, compensando emissões de outras fontes, seja em sistemas homogêneos ou, preferencialmente, consorciados.

Oportunidade de ser exemplo para o mundo

O Brasil está em uma posição única para ser um exemplo global de uma agricultura baseada em ciência e boas práticas. As tecnologias mencionadas são apenas uma parte do arsenal à disposição dos produtores brasileiros graças ao trinômio: Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. No entanto, para maximizar seu potencial, é essencial que o País mantenha e fortaleça o compromisso com a sustentabilidade agrícola.

Nosso país já demonstrou sua capacidade de alimentar mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo. Agora, com a ciência tropical como aliada, pode também liderar o caminho para uma agricultura que não só alimenta, mas também preserva e protege nosso planeta. Ao lançar um enfoque abrangente da sustentabilidade, o Brasil pode mostrar ao mundo que é possível produzir e conservar, rompendo com este ultrapassado “Carbon Tunnel Vision”, e iluminar o caminho para um futuro mais sustentável com alimentos, fibras e bioenergias em quantidade e qualidade.

Conclusão

A transformação da agricultura brasileira é uma história de sucesso que inspira esperança em um mundo preocupado com o efeito das ações do homem sobre o meio ambiente e a segurança alimentar. O Brasil é um testemunho de como a ciência, a tecnologia e a dedicação dos produtores rurais podem superar uma visão limitada baseada exclusivamente na emissão de Gases do Efeito Estufa, e abrir caminho para um futuro onde a produção de alimentos e a proteção do meio ambiente caminham juntas e têm sua sustentabilidade auferida por métodos mais abrangentes e condizentes com a complexidade dos fenômenos naturais. Este país tropical tem a oportunidade de liderar o mundo em direção a uma agricultura mais sustentável, beneficiando não apenas sua própria população, mas também toda a humanidade.

*Gustavo Spadotti Amaral Castro é engenheiro agrônomo, doutor em Agricultura (Fitotecnia), chefe-geral da Embrapa Territorial e membro do Conselho Científico Agro Sustentável

 

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